quarta-feira, 14 de setembro de 2016

A nem tão triste história de um violão


Quando eu era criança havia lá em casa um violão Tonante, em tons de verde e preto que tinha um baita buraco na caixa, resultado de um dia em que, muito empolgado, um dos meus irmãos imitava os passos do Sidney Magal ao som de Sandra Rosa Madalena. Por anos ele ficou jogado por cima das camas ou pendurado na parede, sem uso, pois ninguém ali sabia tocar nada. Alguns anos mais tarde acabei ganhando outro Tonante por insistência de uma tia, mas que também não rendeu nada além de muito barulho e combinações atonais.

Foi quando, no meio da mudança de um dos meus irmãos dei de cara com aquele que, por muito tempo, foi o amor da minha vida. Era um Giannini clássico, do inicio dos anos 70, escala em madeira escura e que tinha a mão entalhada. Porém, ele tinha dois problemas: Primeiro, ele não era meu e segundo e mais grave, a mão estava quebrada, separada do braço. Uma lástima. Mas, pra minha alegria, naquele mesmo dia acabei ganhando aquele belo violão, que estava quebrado e tinha apenas as três primeiras cordas. Eu devia ter nessa época uns 11 anos.

Levei o violão pra casa e fiz alguns consertos nele. Cola, umas chapinhas de metal e parafusos. Era praticamente um Ilizarov para um braço de violão. Por algum tempo funcionou. De alguma forma aquele violão acendeu algo em mim e, a partir daí eu comecei realmente a me interessar pela música. Com a ajuda de um livreto que jazia jogado pela casa, aprendi a afinar aquelas três cordas que o violão tinha e fazer os primeiros acordes, ao menos os que eu podia usar apenas aquelas três cordas. Eu estava curtindo aquilo, e acho que passei uns seis meses ou mais tocando daquele jeito, até comprar um encordoamento completo.

Aquele violão passou a ser meu companheiro. De manhã antes da escola, depois do almoço antes do trabalho, e depois do trabalho até a hora de ir pra cama. Por muito tempo esse Giannini foi o meu instrumento, meu companheiro fiel das noites de seresta à luz das estrelas em algum lugar ermo da cidade.

É claro que quando eu coloquei todas as cordas o remendo que eu havia feito no braço já não dava mais conta e as tentativas de arrumar meu querido amigo se tornavam mais frequentes. Porém, minhas habilidades como artesão até então não colaboravam para isso, até que em dado momento ele teve que ser aposentado.

Alguns anos mais tarde eu já era baixista em algumas bandas e por conta disso acabei ganhando de um amigo o braço velho de um contrabaixo Giannini.

Plim-Plim, “idéia”!

Juntei aquele braço de baixo ao meu antigo violão Giannini (hoje eu não faria mais isso) e construí um tosco baixolão. Bem, não ficou lá aquelas coisas, mas assim eu pude estender um pouco mais o tempo de vida do meu querido violãozinho. Certo dia levei ele comigo ao programa da Margarete Camargo na TV Sudoeste, numa apresentação da Jardim Elétrico. Ele acabava sendo sempre motivo de riso por parte da gurizada. Eu gostava dele. Dediquei bastante do meu tempo em querer consertá-lo e ele me retribuiu da melhor forma possível. Ele me ajudou a ser Eu.

Insisti com ele até algum tempo atrás, mas acabei vencido. E, de instrumento de apoio aos meus parcos estudos no contrabaixo e decoração no canto do quarto ele passou a ser o lustre da sala em meu apartamento, numa divertida esperança de que a música sempre me traga a luz e a clareza das idéias.

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