Sai de casa correndo. Sim, eu
estava atrasado.
Ao por o pé na rua, vi que aquela
não era a rua da minha casa.
Era tudo estranho, no lugar do
asfalto tinham paralelepípedos muito bem assentados e ao longo da rua já não
existiam mais as mesmas casas de sempre, nem a habitual vizinhança.
Meio contrariado continuei
andando, tentando encontrar meu costumeiro caminho até o trabalho, mas estava um
tanto difícil, eu não conseguia saber para qual lado seguir.
Fui percebendo que, margeando
todo o caminho, tinha uma espessa floresta, de um verde intenso e pouco
familiar. Me distrai olhando para aquelas árvores, todas diferentes das que eu
tivesse visto até o momento. As flores também eram variadas em tamanho e
formato e, as cores azuis, roxas, em tons de laranja davam um ar bastante
fotográfico àquele meu novo cenário.
Àquela altura eu já não lembrava
mais do trabalho, de casa, dos meus compromissos com o marcador do relógio
digital do meu celular. Estava tão absorvido com a estranheza da situação que
perdi o sentido do tempo.
Comecei a ouvir um gralhar
preocupante, parecia um riso que as vezes puxava uma gargalhada. Confesso que
meus pelos estavam arrepiados e, tenha certeza, não era por causa do ar fresco
da mata. Curioso, procurei a origem daqueles ruídos, entrando de leve nas
folhagens, e tirando de lado alguns galhos e folhas, tentando encontrar alguma
coisa, alguma explicação. Vi um pequeno riacho, parecia até ter um barulho de
cascata mais ao longe. Passei por ele sem dificuldade, num pulo já estava do
outro lado sem ter molhado os pés.
Interessante que os guizos e gargalhadas
pareciam estar sempre ao meu redor, por mais que eu continuasse em movimento. Não foi
sem surpresa que me deparei com uma imensa árvore, secular eu diria, com
grandes galhos que pareciam querer abraçar toda aquela área da floresta. Também
não foi com menor descrença que vi, sentado numa das grandes raízes daquela
grande árvore, uma criatura toda azulada, com orelhas pontudas e um chapéu
parecido com os que usam essas bandas de marchinhas alemãs. Se parecia bastante
com um desenho que alguém me mostrou em certa ocasião, dizendo ser presente de
um tatuador.
Eu parei, meu coração quase. Mas
eu ainda podia sentir nos ouvidos o pulsar do sangue correndo, sinal de que
ainda estava vivo.
Num salto, ele desceu do seu
banco improvisado e parou bem próximo a mim. Eu calado. Ele me olhando, parecia
curioso. Deu algumas voltas ao meu redor, como se estivesse me estudando,
inclinando a cabeça de lado as vezes, enquanto fazia um estranho "uhum,
uhum".
Finalmente falou:
- Você, o que faz aqui? - antes
que eu quisesse responder, ele continuou - eu sei, não precisa me dizer. Eu sou
um Gnomo Azul da Sibéria, me chato Öteb, o que tudo sabe, e tenho esperado por
você aqui, já há algum tempo. Tenho visto, observado, sentido com uma ponta de
preocupação tudo o que vem acontecendo durante toda a sua vida, e especialmente
os últimos anos. Você deve estar se perguntando como ou no mínimo o porquê. Por
que eu, o grande Öteb, o que tudo sabe, me daria ao trabalho de conhecer e
preocupar com tão insignificante criatura como vós, mas eis que assim me foi
determinado, há muito tempo atrás. Nosso encontro será breve, portanto peço que
preste atenção. Abaixou, pegou um pequeno graveto, o qual ficou segurando entre
os dedos indicadores e polegar de ambas as mãos. A expressão do rosto ficou
diferente de repente, mostrando um ar quase paternal e, mudando para um tom
mais solene recomeçou a falar.
- A vida é feita de escolhas.
Umas mais determinantes que outras, mas assim é. Desde quando ainda era jovem,
as pequenas escolhas que fizestes, como assistir ou não àquelas aula de
matemática, ou cruzar ou não o rio chopim a nado com os amigos, tudo isso lhe
trouxe um novo leque de opções. Cada vez que você opta por isso em vez daquilo,
uma nova realidade de manifesta. Nem tudo é definitivo, mas tudo é
determinante. Tenho percebido que o passar dos anos lhe trouxe uma incomoda
comodidade, como se apenas o mundo precisasse correr, e você não. Veja, o que é
importante para sua vida ainda depende de você! Você faz as escolhas. Tem de
fazer! Pondere, pense, mas aja. Pensamentos e palavras fazem uma grande
diferença, podem representar o principio, mas de nada valem se você não der o
passo seguinte, não tiver atitude e responsabilidade. As oportunidades
aparecem, algumas vezes até se repetem, mas não espere demais. Agarre-as,
tome-as para si, com sabedoria. O sentido da vida é e será sempre o mesmo. O
amor. Viva com simplicidade, com alegria. A felicidade sempre estará nas
pequenas coisas. Frases de efeito não vão mudar a sua vida. Atitudes sim.
E, abrindo um vasto sorriso
naquela cara estranha, entregou para mim aquele pequeno graveto que havia
segurado entre os dedos até então, e com um leve aceno de mão, fez-se brilhar
tão intensamente que quase me cegou e, tudo ao meu redor era agora tão claro
que precisei proteger meus olhos com as costas da mão.
Me vi em minha cama. O sol já ia
alto e entrava pela fresta da cortina direto na minha cara. Minha mão esquerda
estava sobre os olhos e na esquerda um graveto seco.
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