Talvez naquela época ele ainda tocasse toda a discografia da Legião Urbana. Mas faz um tempo que isso virou piada. Agora talvez esteja velho demais para o sucesso como comentou há algum tempo. Passaram os dias correntes em seu semblante aborrecido e convincente, porém nada disso fez com que a guitarra velha parasse de gritar em suas mãos.
Talvez uma garota possa fazer da sua vida um barato, ainda mais quando Shakespeare inventou o nome dela. Até parece que ele sabia o quanto era preciso estar nessa estória, afinal não é a toa que se enche a cara escrevendo romances e bebendo vinho! Morreu, é claro, mas longe, distante de seu tempo, alguns poucos podem notar os sinais vivos de sua presença. Seja num quadro novo e mal pintado, uma viagem louca para o fim do mundo, uma noite de bebedeira ou numa história de amor:
Depois que viram o sol nascendo várias vezes em cima da caminhonete velha, de vários lugares diferentes, ele amargou o titulo de bonzinho que não é bom e nem ruim, somente sozinho. Não bastou ensinar que o sol era preciso ser buscado pela manhã. Mostrou o caminho e ensinou-a na direção. Não restou sequer um pedaço de coração dela para ele.
Chovia naquele dia, mas a chuva não era suficiente para esconder as lágrimas tímidas que corriam sobre o rosto claro e a barba mal crescida. Todos os dois eram jovens demais para pensar que é impossível viver em mundos tão iguais, que quando mudam a cor das suas flores, tornam-se muito diferentes. Ela se foi, a flor mudou de cor e o cravo levou mais dois para muito, muito longe, onde cantava como a cigarra e desfazia a imagem do velho mundo.
Mudou de lado e agora tinha um quintal. Cuidava do cachorro, passeava aos domingos, cortava a grama e lavava a calçada. Esperou nove meses até a bela nascer. Que de tão bela, Isabela. A flor?... nunca mais ouviu-se falar dela. O melhor que poderia ter acontecido. E se quer mesmo saber, Shakespeare foi um bêbado filho da puta! Enquanto dirigia durante horas intermináveis desde as sete da manhã, as guitarras enferrujavam suas cordas e esperavam a madona que viria salvar o seu prazer.
Tudo vai bem enquanto a gente esconde o que é de verdade. E dessa vida o que não era mentira foi somente a bela, Isabela. Shakespeare não sabia do invento dos telefones, porque se soubesse, posso garantir que incluiria um em seu romance. Esperando para mais uma noite boemia num bareco qualquer, ele atende e sabe que ela está de volta. Não resolve nada lembrar do sol nascente e flores em canções de amor sem levar um choque. O cachorro, os passeios de domingo, o jardim, tudo ficou elétrico. E o estado de choque durou somente até a noite. A noite que em meio às luzes furiosas do jardim elétrico as flores ganharam um colibri.
Torrados pela paciência de suportarem uma vida longe de suas vontades, resolvem limpar as traças das roupas de adolescentes e desvairar em meio a gostos certos de satisfação. Dançarem juntos a noite inteira e brindarem o tempo que passa rápido demais. E Shakespeare? Bem, ele não escreveu esse final, já que esse final é presente. E ele não sabia de amanhã. E eles dois, estão presentes. Lá, escorados no balcão, um de um lado outro do outro. De repente pode-se ouvir uma alfinetada boba de um lado ou de outro, coisas pequenas demais para serem consideradas. Nada além de coisas pequenas. Se ouvir bem ela agora disse: “Beto vamos?” E ele: “Calma Julieta! deixe pegar minha guitarra.”
por: Michael Caldato, 2007.